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Sou mais velho que meus pais
06/07/2025
09:45
WILSON AQUINO
WILSON AQUINO*
Gosto muito da história de amor de meus pais. Ele, Manoel Dantas de Oliveira, então um jovem aventureiro, cheio de vida e de sonhos, deixou a Bahia rumo ao Rio de Janeiro, na década de 50, onde se alistou na Marinha Brasileira. Não hesitou quando surgiu a chance de servir ainda mais longe: na fronteira do Brasil com a Bolívia, na próspera Corumbá, então parte do grande Mato Grosso (hoje, do MS).
Anos depois, um marinheiro amigo o convidou para passar o Natal e o Ano Novo numa fazenda em Bataguassu, onde morava sua família: os Aquino — gente de raiz forte e tradicional, fundadores da cidade de Anaurilândia. Foi nessa noite natalina, sob as luzes simples da fazenda e o calor da hospitalidade interiorana, que aquele jovem baiano conheceu a filha primogênita do velho Sebastião Aquino Barbosa e de Maurícia de Souza Barbosa. Seu nome era Dair Aquino. Bastou um olhar para que Manoel soubesse que era a mulher de sua vida.
Naquela época, quando o coração falava, a atitude não tardava. Manoel, cheio de amor, confiante, dirigiu-se ao patriarca da família e, com respeito e firmeza, pediu a mão de Dair em casamento. Prometeu voltar em um ano, com as alianças. O tempo, no entanto, tratou de impor suas provas. Missões longas pela Bacia do Rio Paraguai e operações marítimas de segurança nacional o impediram de cumprir o prazo combinado. E, com o passar dos meses, vieram as dúvidas, os boatos: “Ele não volta mais”. Um filho de fazendeiro rico da vizinhança surgiu como pretendente. A pressão era grande, mas o coração de Dair permanecia firme, pois já havia escolhido o seu eterno companheiro.
Quase dois anos depois, numa semana de festas preparada estrategicamente por membros das duas famílias para oficializar o pedido oficial do tal pretendente, eis que surge, pela estrada de terra, todo de branco, montado em um cavalo baio (pena que não era branco, como nos contos de fadas), o jovem marinheiro. Nas mãos, as alianças. No coração, o amor intacto. Foi direto ao velho “Bastião” para justificar o atraso e reafirmar o compromisso assumido. Naquele instante, o tempo pareceu parar. Os olhares se cruzaram com a mesma intensidade do primeiro encontro — mas agora carregados de saudade, expectativa e um amor provado pela espera. Dair, firme em sua decisão de seguir o coração, viu sua fé ser recompensada.
O gesto do jovem marinheiro — atravessar o país não só para cumprir uma promessa, mas para consolidar um sonho — emocionou não só a ela, mas a todos que presenciaram aquele reencontro. Foi como se Deus, que conhece o íntimo de cada coração, tivesse escrito esse capítulo com tinta invisível, revelada apenas aos que creem no poder da verdadeira fidelidade. Casaram- -se pouco depois e partiram juntos para Corumbá, onde nascemos: eu e meus irmãos Rubens (primogênito), Edson e Edna.
Alguns anos depois, ele deixou a Marinha. Ingressou no Ministério dos Transportes, onde trabalhou no Serviço de Navegação da Bacia do Prata. Depois, mudou-se com a família para Campo Grande onde assumiu a direção da Campanha Nacional de Alimentação Escolar – CNAE, e permaneceu ali até a sua aposentadoria. Nunca deixou de cultivar o amor por nossa mãe — aquela que foi, e sempre será, a melhor que este mundo já viu.
Infelizmente, ambos partiram precocemente. Ela, em 1981, aos 46 anos; ele, em 1996, aos 66 anos — vítimas das consequências do (maldito) cigarro. Mas partiram depois de cumprirem, com honra e dignidade, o papel mais importante que se pode ter na vida: o de pai e mãe. Foram mestres da vida, que, com firmeza, amor e exemplo, nos ensinaram a caminhar neste mundo com retidão, perseverança e coragem.
Hoje, ao completar mais um ciclo de vida neste 3 de julho, percebo, com espanto e reverência, que sou mais velho do que meus pais chegaram a ser. E essa constatação me leva a uma profunda reflexão. Me vejo, muitas vezes, pensando neles — nos conselhos, nas broncas, nas orações. Nos gestos de carinho e nos olhares de aprovação que tanto marcaram minha infância e juventude. Eles não apenas nos deram a vida — a mim, ao meu querido irmão Rubens, ao Edson, à Edna e à nossa caçula, Márcia Christinne, que nasceu em Campo Grande — como nos ensinaram a vivê-la com dignidade.
Tornar-me mais velho do que meus pais viveram é, por si só, um presente e uma responsabilidade. É como se o tempo me tivesse dado um papel duplo: o de seguir adiante com a própria vida, mas também o de continuar, em cada gesto, a história que eles começaram. Cada manhã em que me levanto para trabalhar, cada conselho que dou aos meus filhos e às pessoas, cada escolha que faço com ética e respeito ao próximo, carrego neles a essência de Manoel e Dair. Eles me deixaram não apenas memórias, mas um modo de viver — e esse é o tipo de herança que nenhuma ferrugem corrói, nenhum tempo apaga.
Certamente, muito antes de eu nascer, já existia uma história de amor sendo escrita para me preparar o caminho. E ela tem nomes: Manoel e Dair.
E acima desses dois nomes tão especiais, está o nome de Deus — o Autor da vida, que confiou a esse casal a missão sagrada de trazer ao mundo filhos especiais, para serem moldados em princípios, fé e amor. Foi Ele quem costurou os encontros, sustentou os sonhos e abençoou cada passo dessa união. E é a Ele que elevo agora minha mais profunda gratidão, por ter me dado pais tão extraordinários. Que honra ter vindo ao mundo por meio de mãos tão nobres, orientadas por um amor que começou no Céu.
*Jornalista e professor.
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