Política / Justiça
STJ suspende decisão do TJMS que validou golpe milionário em fazenda no Pantanal e expõe suspeita de venda de sentenças
Ministro Raul Araújo reverte acórdão envolvendo desembargadores alvos da Operação Última Ratio, da Polícia Federal
18/12/2025
09:40
DA REDAÇÃO
Desembargadores Vladimir Abreu, Sideni Soncini e Alexandre Bastos, Pimentel ©FOTOMONTAGEM
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu os efeitos do primeiro acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS) apontado como resultado de um esquema de venda de sentenças investigado pela Polícia Federal na Operação Última Ratio. A decisão foi proferida pelo ministro Raul Araújo e reverte julgamento que havia validado um golpe milionário na compra da Fazenda Vai Quem Quer, localizada em Corumbá, no Pantanal sul-mato-grossense.
O imóvel rural, com cerca de 5,6 mil hectares e avaliado em mais de R$ 15 milhões, havia sido mantido em nome dos compradores por decisão de segunda instância, agora suspensa, apesar de acusações formais de estelionato, fraude documental e ocultação de vícios no negócio.
Esta é a primeira decisão de uma corte superior que suspende os efeitos de julgamentos sob suspeita de corrupção envolvendo magistrados investigados na Operação Última Ratio, deflagrada em outubro de 2024.
O acórdão suspenso teve participação decisiva dos desembargadores:
Sideni Soncini Pimentel (afastado e aposentado em 2025),
Alexandre Bastos (afastado desde a operação),
Vladimir Abreu da Silva (também afastado).
Segundo a investigação, os três atuaram de forma conjunta para reverter uma sentença de primeira instância que havia anulado a permuta das fazendas e determinado a reintegração de posse da propriedade ao verdadeiro dono, o produtor rural Ricardo Pereira Cavassa.
O caso envolve a permuta da Fazenda Vai Quem Quer, em Mato Grosso do Sul, por quatro propriedades localizadas em Iguape (SP), pertencentes ao casal Lydio de Souza Rodrigues e Neiva Rodrigues Torres.
De acordo com o Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS), as fazendas paulistas apresentavam:
Gravames judiciais ocultos,
Bloqueios em ações de terceiros,
Passivos ambientais,
Área real inferior à anunciada,
E, em ao menos uma matrícula, ausência de titularidade dos vendedores, já adjudicada judicialmente a terceiros.
Essas irregularidades caracterizam, segundo o MP, o crime de estelionato, pelo qual o casal responde na esfera criminal.
Na liminar concedida há cerca de 20 dias, o ministro do STJ suspendeu os efeitos do acórdão do TJMS e determinou:
A averbação da existência da ação de rescisão contratual nas matrículas da Fazenda Vai Quem Quer;
A preservação da situação jurídica do imóvel até julgamento definitivo.
Embora não tenha determinado de imediato a reintegração de posse ao fazendeiro Ricardo Cavassa, o ministro também não negou esse pedido, abrindo espaço para novos recursos, como embargos de declaração.
Ao fundamentar a decisão, Raul Araújo destacou fortes indícios de fraude:
“Os requeridos não forneceram informações claras e objetivas sobre o contrato, ao omitir dolosamente que não eram proprietários de uma das matrículas permutadas, que fora adjudicada a terceiros em ação judicial; pendiam gravames sobre três das matrículas; e recaíam diversas multas ambientais sobre um dos imóveis”, afirmou.
O ministro também levou em consideração as suspeitas de corrupção e venda de sentença envolvendo os desembargadores que participaram do julgamento no TJMS.
“A parte requerente afirma haver indícios de corrupção e ‘venda de sentença’ no julgamento do acórdão recorrido, com referência ao Inquérito nº 4.982 no Supremo Tribunal Federal (Operação Última Ratio) e à abertura de procedimento disciplinar no Conselho Nacional de Justiça”, registrou Raul Araújo.
Segundo o magistrado, o acórdão suspenso:
Ignorou provas constantes nos autos;
Apresentou fundamentos juridicamente frágeis;
Inovou em sede recursal;
Desconsiderou fatos supervenientes, como a regularização das matrículas da fazenda em nome de Ricardo Cavassa, apontada em embargos de declaração.
Outro fator decisivo foi o risco da demora processual. O ministro apontou que os compradores:
Firmaram promessa de compra e venda com terceiros envolvendo parte da fazenda;
Anunciaram a venda de outra parcela do imóvel em sites especializados em imóveis rurais.
Esse risco de alienação do bem reforçou a necessidade de suspensão imediata do acórdão.
A Polícia Federal identificou elementos que reforçam a tese de articulação prévia entre os magistrados.
Durante a operação, foram apreendidos áudios no celular de Sideni Pimentel que continham:
Minutas divergentes de voto do próprio desembargador Alexandre Bastos;
Indícios de que Bastos inicialmente havia elaborado voto para manter a sentença de primeira instância, mas alterou sua posição posteriormente.
Em um dos áudios, Sideni solicita a elaboração de um voto divergente para evitar a rescisão do contrato, antes mesmo da sessão de julgamento, o que, segundo os investigadores, é um indício grave de manipulação do resultado.
Na esfera criminal, o casal acusado de aplicar o golpe recusou, em outubro de 2025, a proposta do Ministério Público para suspensão condicional do processo, que previa a devolução da fazenda como condição para evitar condenação.
Com a recusa, o juiz da 1ª Vara Criminal Residual de Campo Grande, Roberto Ferreira Filho, determinou o prosseguimento da ação penal:
“Considerando a recusa do acusado e seu defensor à proposta de suspensão condicional do processo, dou seguimento ao feito e designo audiência de instrução e julgamento para o dia 12 de novembro de 2026”, decidiu.
Deflagrada em 24 de outubro de 2024, a Operação Última Ratio investiga um esquema de corrupção no TJMS, envolvendo a negociação de decisões judiciais.
Foram alvos da operação:
Sideni Soncini Pimentel
Alexandre Bastos
Vladimir Abreu da Silva
Marcos José de Brito Rodrigues
Sérgio Martins
Além dos desembargadores aposentados:
Divoncir Schreiner Maran
Júlio Roberto Siqueira Cardoso
Até o momento, apenas Sérgio Martins retornou ao trabalho, após decisão do ministro do STF Cristiano Zanin, que considerou a ausência de movimentações suspeitas apontadas pelo Coaf e a inexistência de outros indícios relevantes contra ele.
Os demais permanecem afastados por decisões administrativas e processos em andamento no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A decisão do STJ representa um marco no enfrentamento à corrupção no Judiciário e reacende o debate sobre:
controle externo da magistratura,
credibilidade das decisões judiciais,
responsabilização de magistrados envolvidos em esquemas ilícitos.
O caso segue sob análise nas esferas cível, criminal e administrativa, com potencial de gerar novos desdobramentos tanto no STJ quanto no Supremo Tribunal Federal.
Os comentários abaixo são opiniões de leitores e não representam a opinião deste veículo.
Leia Também
Leia Mais
Suzano abre cinco processos seletivos em Mato Grosso do Sul para Água Clara, Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas
Leia Mais
Leis de Zé Teixeira garantem reconhecimento estadual a entidades de Dourados e Maracaju
Leia Mais
Governo autoriza IBGE a contratar mais de 39 mil temporários para novos censos; veja a distribuição das vagas
Leia Mais
Mato Grosso do Sul já emitiu cerca de 600 mil novas Carteiras de Identidade Nacional
Municípios