Campo Grande (MS), Quarta-feira, 19 de Fevereiro de 2025

POLÍCIA

Áudios de Vanessa Ricarte expõem falhas na Deam e multiplicam denúncias de mau atendimento

Mulheres relatam desconfiança, constrangimento e negligência na rede de proteção às vítimas de violência

15/02/2025

10:00

DA REDAÇÃO

©DIVULGAÇÃO

A divulgação do áudio da jornalista Vanessa Ricarte, assassinada pelo ex-noivo Caio Nascimento, provocou uma enxurrada de relatos nas redes sociais sobre falhas no atendimento da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) e da Casa da Mulher Brasileira. Nos comentários de publicações do site Campo Grande News, já foram registrados mais de 1.600 depoimentos até a manhã deste sábado (15), expondo negligência, desconfiança, constrangimento e até deboche por parte dos profissionais que deveriam proteger as vítimas.

Relatos de violência institucional e descaso

Nos comentários, advogadas e mulheres que buscaram proteção na Casa da Mulher Brasileira descrevem situações de atendimento desumano, onde vítimas de violência doméstica, muitas vezes feridas, são submetidas a um ambiente de descredibilização e constrangimento.

“Já vi mulher sangrando, com um buraco aberto na testa, sendo colocada ao lado de outras duas vítimas, lado a lado mesmo, naquelas cadeiras que são juntas, a dois metros de distância do escrivão e tendo que gritar para contar como foi a sua agressão”, relatou uma advogada.

Ao tentar intervir para preservar a dignidade da vítima, a profissional também foi destratada. “Tive que ouvir que delegados têm autonomia para interpretar a legislação conforme o seu entendimento e que mulheres também agridem”, completou.

Uma leitora compartilhou a experiência de uma amiga que, mesmo com hematomas visíveis, teve seu boletim de ocorrência recusado e foi alvo de piadas.

“Ela chegou à delegacia com marcas da agressão, e ainda assim não fizeram o B.O. Além disso, riram da situação e falaram para o agressor, na frente dela, que ele deveria evitar ‘esse tipo de mulher’ que só quer acabar com a vida dele. Ele saiu pela porta da frente, sem nenhuma consequência”, relatou a denunciante.

Outro relato expôs o constrangimento e a revitimização dentro da delegacia:

"Minha irmã foi registrar um B.O. porque o ex invadiu sua casa, quebrou tudo e cortou suas roupas íntimas. Em vez de acolhimento, os policiais fizeram piada com a situação. Ela desistiu de buscar justiça por causa desse atendimento.”

Falta de efetividade nas medidas protetivas

Os relatos também demonstram que a rede de proteção não cumpre protocolos básicos de segurança. Muitas mulheres relataram que, após registrarem boletim de ocorrência e solicitarem medidas protetivas, nunca receberam monitoramento da polícia.

“Nunca foram na porta de casa, como falaram que monitoram. Nunca nem ligaram. Quando voltei à delegacia porque ele voltou a me ameaçar, me pediram para esperar seis horas para fazer o B.O., mas eu tinha que pegar as crianças na escola. Sem almoço, sem nada, tive que ir embora.”

"Se fosse para morrer, já teria morrido. Me ligaram mais de seis meses depois da denúncia para perguntar como estavam as coisas."

A sensação de desamparo foi repetida por diversas mulheres, que afirmaram que a proteção garantida pelo Estado não se traduz em ações concretas.

"Eu perdi uma amiga assim. O agressor ficou apenas três meses preso por tentativa de homicídio. Quando saiu, matou ela. Que medida protetiva é essa que não protege nada?"

A revitimização dentro da própria rede de proteção

Além da negligência, diversos relatos indicam que as vítimas são desacreditadas e tratadas com desconfiança dentro das delegacias.

“Quando precisei do Deam, fui tratada com desdém e ironia. A policial me olhou de cima a baixo e disse que eu ‘não tinha aparência de quem sofreu violência’.”

“Eu só queria ser acolhida, mas passei horas esperando e saí pior do que entrei. Elas são frias, te cortam o tempo inteiro, e no final, o agressor levou mais de 15 dias para ser intimado.”

Outro depoimento revela que as vítimas, além de não serem protegidas, ainda são culpabilizadas pelo crime.

"Fui denunciar meu ex por ameaça, e a delegada virou para mim e disse: 'também, né, minha filha, você foi trair ele dentro de casa'. Expliquei que já estávamos separados e que ele já morava com outra mulher, mas ela acreditou na versão dele e me tratou como culpada.”

A negligência institucional que pode custar vidas

As falhas no atendimento da Casa da Mulher Brasileira e da Deam não são casos isolados. Os relatos indicam um padrão de negligência e descredibilização das vítimas, que podem desistir de buscar ajuda e acabar morrendo pelas mãos de seus agressores.

A indignação gerada pelo assassinato de Vanessa Ricarte e pela divulgação de seu áudio pode ser um divisor de águas na luta contra a violência institucional. A Delegacia-Geral do Governo do Estado já anunciou a abertura de sindicância para investigar as denúncias.

Enquanto isso, mulheres continuam denunciando nas redes sociais o descaso de um sistema que, em vez de protegê-las, as expõe ainda mais ao perigo.


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