Campo Grande (MS), Sexta-feira, 03 de Maio de 2024

BATAGUASSU

O futuro não pode subestimar o passado - Bataguassu: "o portal do Mato Grosso do Sul"

22/04/2024

17:00

LUÍS CARLOS FREIRE

Dona Diva Câmara Martins ©REPRODUÇÃO

Esse hábito recente de darem ao município de Bataguassu um codinome ligado ao tucunaré - ignorando que o município possui um codinome há mais de meio século, escolhido de maneira deliberada e nos moldes oficiais - é o mesmo que subestimar a história. O passado é a nossa impressão digital, marca genética, identidade, portanto é sempre coerente e sensato recorrer à genealogia dos fatos para não cometermos injustiças.

Desde remotos tempos as aldeias, vilas, províncias, freguesias e os países se anunciavam em grandes portais fincados em suas entradas. Quem não conhece o Arco do Triunfo, em Paris? Normalmente essa peça é uma estrutura monumental no formato de um arco com uma ou mais passagens, geralmente projetado para ter a largura de uma estrada ou de uma rua.

Até hoje existe a Porta de Istar da Babilônia, construída no século VI antes de Cristo, (atualmente no Museu de Pérgamo, em Berlim). Tem-se o famoso Portão de Brandemburgo (1788-1791), ou “Porta de Brandemburgo” é a antiga porta da cidade, intacta até hoje. Em Braga, Portugal, há a famosa “Porta Nova de Braga”, construída em 1373. No norte da Alemanha está preservada a “Porta de Holsten”, datada de 1464, considerada patrimônio Mundial da Humanidade. Esses pórticos traziam o nome da localidade, frases em latim, grego etc. Assim surgiria, depois, o hábito de se criar codinomes das cidades.

No Brasil, o pórtico mais antigo foi erguido durante o segundo governo de Duarte Correia Vasqueanes (1645-1648) à frente da capitania do Rio de Janeiro. Foi levantada uma cortina ligando a Fortaleza de São Sebastião do Castelo ao Forte de São Tiago da Misericórdia, na ponta de São Tiago, depois Calabouço. Nessa cortina foram abertas as Portas da Cidade, na altura da rua da Misericórdia.

Durante o século XVIII, começaram a ser erigidas portas da cidade sem funções militares. Sem ser a única entrada da localidade. Hoje são chamados portais e pórticos, vistos em muitas cidades e divisas de estados. Atualmente, as antigas portas de diversas cidades e vilas tornaram-se nos seus ex-libris turísticos. Pois é, Bataguassu tinha o seu pórtico. Muito simples. Era uma peça de ferro – como uma imensa trave de futebol –, fincada sobre a BR onde se lia “Bataguassu: Portal do Mato Grosso do Sul”.

Em 1966 a professora, poeta, escritora e cartorária, Diva Câmara Martins escreveu o poema intitulado “Bataguassu: Portal do Mato Grosso”. Nesse mesmo período houve uma gincana para escolha do codinome da cidade, sendo eleito, por unanimidade, o título de “BATAGUASSU, PORTAL DE MATO GROSSO”. Tenho certeza que ainda existem muitos bataguassuenses que se lembram ou se envolveram no episódio. Eu nasci um ano depois, e soube desse fato pela própria professora Diva e outras pessoas.

Em 1977, o nosso colossal Mato Grosso foi dividido e, obviamente, o codinome se reconfigurou. Surgiu: “BATAGUASSU, PORTAL DO MATO GROSSO DO SUL”.

Esse pseudônimo – carregado de poesia e originalidade –, traduz a características geográfica de Bataguassu, pois é a primeira cidade do Mato Grosso do Sul, para quem atravessou a ponte sobre o rio Paraná e deixou o estado de São Paulo, ou seja, é a entrada, portanto o “Portal de Mato Grosso do Sul”.

Diva Câmara Martins alegava que essa expressão é o mesmo que a cidade anunciar, de longe, que acolhe bem a todos os que chegarem ao rincão sul-mato-grossense. Bataguassu é a primeira cidade do novo estado.

O codinome “Morada do Tucunaré” é uma invenção feita a partir de outra invenção. O peixe "tucunaré" não é endêmico da hidrografia bataguassuense. Nunca foi. Se hoje a nova geração está conhecendo esse peixe como sendo tradicional ao município, é o que está dito acima: “subestimar a história”. Esse peixe, como todos sabem, foi introduzido pela CESP com a ampliação do rio Paraná. Muitos nativos, principalmente idosos, alegam que esses peixes destruíram a micro fauna e a micro flora aquática do rio Paraná, acabando com a piscosidade nativa.

Mudar o codinome de um município sem plebiscito, desnecessariamente, é um gesto questionável. Estão sepultando sob as águas do erro, um codinome deliberado há mais de meio século. E – pasmem –, trocando-o pelo nome de um peixe predador, que não é nativo dessa região. Nada contra o peixe. Deve ser até delicioso, mas na panela, não no portal.

Esse codinome não tem a identidade de Bataguassu, e anula a bela história que existe lá atrás. As novas gerações crescem acostumadas ao erro e o perpetuam. Na verdade é um problema educacional. Os empresários podem ajudar, divulgando-o em painéis, ônibus, internet, muros de terrenos baldios etc.

Observando a bela peça arquitetônica existente na Praça Jan Antonin Bata, cujo autor arrastou para ela as características da antiga casa do fundador da cidade, fica a inspiração. Quem sabe um pórtico nesses conformes na entrada de Bataguassu, próximo à Ponte Vicente Serejo. Imagine um pórtico em estilo “tcheco eslovaco” com quatro arcos gigantescos separando as quatro vias e o canteiro. E, no alto, o codinome “BATAGUASSU: PORTAL DO MATO GROSSO DO SUL”. Seria uma louvável reparação à História de Bataguassu e à memória da nossa Diva Câmara Martins.

Como sugestão, a Prefeitura Municipal pode incluir o codinome em seus papeis e veículos oficiais, veículos e espaços públicos. Dessa forma o codinome fica impregnado, da mesma forma como, no sudeste temos “São Paulo, terra da Garoa” e “Cidade Maravilhosa” no Rio de Janeiro. No Rio Grande do Norte, Natal é “Cidade do Sol”. Curitiba é “Cidade Sorriso”, Goiânia é a “Capital do Serrado”. Paris é “Cidade Luz”, Atenas é “Cidade da Coroa Violeta”, Roma é “Cidade Eterna”. Codinome é identidade, é história e é imutável. Fica a reflexão a quem interessar possa. L.C. Freire – 28.2.24 (Do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte).


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