Campo Grande (MS), Quinta-feira, 18 de Dezembro de 2025

Política / Justiça

Pacto pela Democracia critica aprovação do PL da Dosimetria no Senado e aponta retrocesso institucional

Coalizão avalia que tramitação acelerada, falta de transparência e ausência de debate público fragilizam a responsabilização pelos atos golpistas

18/12/2025

08:05

DA REDAÇÃO

©DIVULGAÇÃO

O Pacto pela Democracia, coalizão que reúne mais de 200 organizações da sociedade civil, classificou como uma derrota para a democracia brasileira a aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei nº 2.162/2023, conhecido como PL da Dosimetria. Para o grupo, a medida representa um retrocesso na responsabilização por ataques ao Estado Democrático de Direito e cria precedentes preocupantes de impunidade.

A rede de entidades acompanha, desde 2023, a agenda de responsabilização pelos atos golpistas de 8 de janeiro, tendo atuado na CPMI, no monitoramento do julgamento da trama golpista no STF e na construção da campanha Sem Anistia. Em nota pública, o Pacto repudiou o modo como o projeto foi aprovado, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado, apontando processos atropelados, pouco transparentes e sem participação social.

Críticas à tramitação e ao conteúdo

Segundo a coalizão, é inadmissível que interesses particulares e barganhas políticas se sobreponham a um debate de relevância histórica, resultando na aprovação de um texto que beneficia um grupo condenado por graves crimes contra a democracia e fragiliza princípios constitucionais.

De acordo com Natália Neris, gerente de incidência do Pacto pela Democracia, o projeto teve tramitação acelerada na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), sem tempo hábil para análise adequada:

“O texto, com relatório do senador Esperidião Amin, que incluía emenda do senador Sérgio Moro, foi divulgado apenas às 9h da manhã, no mesmo horário de início da sessão da CCJ, impossibilitando uma análise adequada por parte dos parlamentares e da sociedade.”

A dirigente ressaltou ainda que a votação ocorreu um dia após a conclusão do julgamento da trama golpista, em meio a negociações de bastidores e acordos pouco transparentes, o que, segundo ela, demonstra falta de comprometimento com a defesa da democracia. O projeto impacta diretamente decisões do STF, a Lei de Execução Penal e os mecanismos de proteção ao Estado Democrático de Direito.

Pedido de audiência pública foi rejeitado

Durante a sessão da CCJ, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) solicitou a realização de audiência pública para discutir a proposta, atendendo à pressão da sociedade civil. O pedido foi rejeitado pela maioria dos senadores, reforçando, segundo o Pacto, a resistência do Parlamento em abrir o debate à sociedade.

Carta ao Senado

Após a aprovação do texto na Câmara, o Pacto pela Democracia enviou carta ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e aos demais senadores, manifestando preocupação com o processo de tramitação.

No documento, as organizações afirmam que o projeto foi votado sob grave restrição ao debate público, com relatório e justificativa apresentados durante a própria sessão, em uma tramitação acelerada que reduziu drasticamente a transparência e o controle democrático.

Segundo a carta, parlamentares e sociedade civil foram submetidos a uma “votação às cegas”, sem acesso adequado aos detalhes técnicos e jurídicos de alterações significativas em legislações estruturantes, como o Código Penal e a Lei de Execução Penal.

“Pacificação não é impunidade”

A coalizão sustenta que o projeto representa uma capitulação do Parlamento diante daqueles que atentaram contra a ordem constitucional em 8 de janeiro de 2023, comprometendo a coerência institucional e violando princípios constitucionais essenciais.

“A verdadeira pacificação se constrói por meio da responsabilização plena, e não da anistia improvisada”, destaca o texto.

A íntegra da carta, com a lista das organizações signatárias, foi disponibilizada publicamente pelo Pacto pela Democracia.

Brasília, 11 de dezembro de 2025

Assunto: Manifestação do Pacto pela Democracia e parceiras sobre o PL 2.162/2023 (“PL da Anistia”).

Ao Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Davi Alcolumbre,

Aos Senhores e Senhoras Senadores e Senadoras da República.

Nós, do Pacto pela Democracia, coalizão apartidária, ideologicamente plural e que reúne mais de duzentas organizações da sociedade civil comprometidas com a defesa do Estado Democrático de Direito e parceiras abaixo subscritas, vimos por meio desta manifestar nossa preocupação diante da aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei nº 2.162/2023, denominado por seus defensores de “PL da Dosimetria”, mas amplamente conhecido como PL da Anistia.

Na madrugada do dia 10 de dezembro, o projeto foi votado em um contexto de grave restrição ao debate público. O relatório e sua justificativa foram apresentados durante a própria sessão, no curso de uma tramitação acelerada que reduziu drasticamente as condições de transparência e controle democrático. Parlamentares e sociedade civil foram submetidos a uma votação às cegas, sem acesso adequado aos detalhes técnicos e jurídicos de alterações significativas em legislações estruturantes, como o Código Penal Brasileiro e a Lei de Execução Penal.

O contexto político da véspera foi igualmente sui generis. No final da tarde de 9 de dezembro, o plenário da Câmara dos Deputados foi fechado de forma inédita, e a TV Câmara retirada do ar, após intervenção da polícia legislativa — fato que, além de comprometer a normalidade institucional, impôs forte restrição à atuação de jornalistas e ao acompanhamento público dos acontecimentos. O bloqueio do acesso da imprensa e a interrupção da transmissão oficial limitaram a visibilidade da atuação legislativa e o escrutínio democrático. Ainda assim, mesmo diante desse cenário de restrições e opacidade, prosseguiu-se à deliberação de um tema de altíssima relevância para a integridade democrática do país.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores,

Ao contrário do que alegam seus proponentes, o projeto não promove “pacificação nacional” nem oferece uma “virada de página”. Ele representa, isto sim, uma capitulação do Parlamento diante daqueles que atentaram contra a ordem constitucional no 8 de janeiro de 2023, fragilizando a coerência institucional e violando princípios constitucionais essenciais. Não é admissível que interesses particulares distorçam um debate de importância histórica, negociando até onde “aceitam” ser responsabilizados, como se a resposta institucional aos ataques golpistas fosse matéria de barganha política.

A verdadeira pacificação se constrói por meio da responsabilização plena, e não da anistia improvisada. A aprovação do projeto na Câmara reedita o padrão histórico brasileiro de tolerância com rupturas democráticas — padrão que alimenta crises sucessivas, bloqueia o amadurecimento institucional e consolida a mensagem de que ameaçar a democracia “compensa”.

O Brasil vive hoje, pela primeira vez, um processo robusto de responsabilização das tentativas de desestabilização democrática, incluindo os seus mentores intelectuais. Esse esforço tem sido reconhecido internacionalmente como referência de resistência ao avanço autocrático. Interromper esse caminho significa abrir mão de romper com décadas de impunidade, enfraquecer políticas de memória e verdade e comprometer a construção de uma democracia mais forte. Todos perderemos.

Diante da chegada do projeto ao Senado Federal, confiamos na responsabilidade histórica desta Casa. É no Senado que o Parlamento pode rejeitar a capitulação, proteger a Constituição e reafirmar que o Estado Democrático de Direito não se curva à conveniência.

O momento exige coragem para sustentar a democracia que queremos ser, democracia esta:

  • Transparente, do ponto de vista do respeito aos ritos e processos regimentais: Uma democracia sólida se constrói com previsibilidade, publicidade e fidelidade às normas que regem o processo legislativo. O Senado tem a oportunidade de restabelecer o padrão de transparência que foi comprometido na Câmara: garantir tempo razoável para análise das proposições, assegurar acesso público a documentos, permitir debate qualificado, escuta de especialistas e movimentos sociais e respeitar os ritos regimentais que protegem a legitimidade das decisões tomadas. A transparência não é um detalhe procedimental mas condição para que a sociedade confie em suas instituições e para que o Parlamento exerça plenamente sua autoridade constitucional.
  • Comprometida com o equilíbrio entre os Poderes: O ataque de 8 de janeiro de 2023 foi dirigido contra a própria arquitetura institucional da República. Proteger o país de novos episódios exige que o Parlamento reafirme seu compromisso com o sistema de freios e contrapesos, repelindo iniciativas que, sob o argumento da “pacificação”, enfraqueçam a integridade do sistema constitucional. Cabe ao Senado resguardar a independência e a harmonia entre os Poderes, preservando a autoridade do Judiciário nas ações de responsabilização, a atuação do Ministério Público e a própria missão legislativa de zelar pelo interesse público, e não por interesses circunstanciais de grupos envolvidos nos ataques à democracia.
  • Orientada pela responsabilização e firmada nos pilares da memória, da verdade e da justiça: Nenhuma democracia se consolida apagando seus traumas ou relativizando aqueles que atentaram contra sua ordem constitucional. A responsabilização não é vingança; é garantia de não repetição, elemento essencial das políticas de memória e verdade e pedra angular da justiça democrática. O Senado tem a responsabilidade de impedir que o país volte ao ciclo histórico de impunidade que tende a fragilizar nossas instituições. Tal medida resguarda o futuro e assegura que episódios golpistas não se normalizem.

Assinam esta carta,

Agência Ambiental Pick-upau

Aláfia Lab

Aliança Brazil Office

Aliança Nacional LGBTI+

Associação de Jovens Engajamundo

Cátedra Sustentabilidade - Unifesp

Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis - Grupo Ação, Justiça e Paz

Centro Santo Dias de Direitos Humanos

Clima de Política

Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia

Coalizão pela Socioeducação

Delibera Brasil

Escola da Democracia

Elas no Poder

FADDH - Frente Ampla Democrática pelos Direitos Humanos

Fundação Tide Setubal

Geledés - Instituto da Mulher Negra

Grupo Tortura Nunca Mais-RJ

INESC Instituto de Estudos Socioeconômicos

Instituto de Defensores de Direitos Humanos - DDH

Instituto de Defesa do Direito de Defesa - IDDD

Instituto Democracia e Sustentabilidade - IDS Brasil

Instituto Democracia em Xeque

Instituto Ethos

Instituto Foz

Instituto Lamparina

Instituto Marielle Franco

Instituto Não Aceito Corrupção - INAC

Instituto Physis - Cultura & Ambiente

Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC)

Instituto Update

Instituto Vladimir Herzog

Kurytiba Metrópole

Nossas

O Joio e o Trigo

Oxfam Brasil

PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais

Plataforma JUSTA

Rede Conhecimento Social

Rede Justiça Criminal

Sleeping Giants Brasil

Teia de Criadores

Transparência Eleitoral - Brasil


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